Era um dia ensolarado de outono, por
volta do ano 1500.
As gengivas apodrecidas dos homens
já apenas tremiam em rezas. Que estivessem erradas as contagens dos tais
estudiosos, pois bem. Não havia então terra que pusesse fim àquela imensidão de
mar. Mas que Deus tivesse clemência de sua situação dantesca, e lhes permitisse
voltar logo à pátria lusa. Cada dia havia menos deles.
O Almirante Pedro, a despeito, só
pedia a paciência de mais um dia.
Foi quando uma das naus recebeu a
bordo o inesperado sinal.
Estaria alucinando o marujo?
O sinal a que me refiro ainda não
é a ‘terra à vista’. Não é a água cheia de nuanças de barro e restos da
vegetação. Nem mesmo os pássaros tropicais que rondariam os lusos. Não era nada
que se oferecesse aos olhos.
A primeira evidência foi o
cheiro.
Isso mesmo. Substâncias odorantes,
carregadas pelo vento, vaticinaram as terras brasileiras. Cheiro de solo novo e
fértil, cheiro de urucuzeiro e de veneno de urutu, de macaxeira e de flor de Maria
sem vergonha. Fragrância de pau-brasil, de fogueira, de cabana. Aroma de sexo
bem feito, de comunhão com a natureza, de paz.
Até então, os narizes só sabiam
do casamento arranjado entre a água salobra e o sanguinolento escorbuto. Dali
por diante, seria a nova maravilha do mundo conhecido: a ilha de Vera Cruz.
Somente alguns dias depois chegariam
à costa, e Portugal inauguraria o novo achado. Ficaria provado que a navegação
era precisa. Havia um novo mundo naquelas paragens. Mas isso é outra
história...
O importante mesmo – a primeira
impressão – foi, sem dúvida, o cheiro de Brasil. A orgia olfativa de temperos,
tinturas, lavagens, minérios e fisiologias, típica da vida e da cultura do
populacho índio, selou o destino desse país. Não fosse sua consistência, seu
sabor, sua lascívia, sua divindade, e os portugueses talvez tivessem até
desistido, dado às costas e tentado noutro lugar.
Muitos séculos depois, houve quem
dissesse que, por falta de referência com a qual pudessem comparar os portugas,
os índios acharam que fossem deuses.
Mas que grande balela! Os índios
simplesmente estavam lá, na deles.
Se um desconhecido entrasse agora
na sua casa, não seria um deus, mas um ladrão, certo?
Ao bem da verdade, eram os
portugueses quem necessitavam com urgência de uma sensação beatífica, um
consolo vindo do céu. A viagem desde a Europa era desumana. E nossos odores
lhes prometeram esse Éden. E por isso eles vieram para cá, e colonizaram o
Brasil. E por isso escrevo em português.
Porque a primeira commodity
brasileira no cenário internacional foi o cheiro.
O cheiro, meus amigos!